Amor que inspira pintores e escritores desde sempre



Formas de bem-querer

Stendhal, autor do livro Do Amor (Pergaminho), escrito no século XIX, apresenta quatro amores diferentes. Há quem diga que o amor é um sentimento moderno inventado por ele.
Do primeiro ao quarto, há o amor-paixão, o amor-gosto, o amor-físico e o amor-vaidade
Dos dois primeiros diz que “é um quadro onde tudo, até as próprias sombras, deve ser cor-de-rosa, onde nada de desagradável deve entrar…”
Mas “enquanto o amor-paixão nos leva para além de todos os nossos interesses, o amor-gosto
sabe sempre conformar-se com eles”
No amor-físico “toda a gente conhece o amor baseado neste género de prazeres”
O amor-vaidade é descrito como o desejo de ter para pura exibição.

O amor filial entre mães e filhos encheu telas e pergaminhos, mas sobretudo o amor entre amantes. Hoje, dir-se-ia que é muito mais matéria de estudo. Mas o mesmo objectivo final do ser humano que, de amor em amor, continua a procurá-lo e a desejar encontrá-lo no seu maior expoente.

Catarina Mexia, psicóloga clínica e terapeuta familiar, distingue as fases do amor em “termos de retribuições”. Explica: “Quando somos bebés, inspiramos o amor mais incondicional. Recebemos tudo e conscientemente damos muito pouco em troca. Mais tarde, já crianças, começamos a reconhecer os outros e a perceber que eles existem. Continuamos a receber muito, mas já começamos a dar algo em troca e a sentir que esta retribuição é necessária.” Com este salto de uma fase para outra do amor surgem também as primeiras desilusões e conflitos, e é também nesta altura que se começam a perceber outras dimensões do amor. Este torna-se mais complexo e passa-se a gostar com fundamento. Isto é, já não se gosta porque se gosta ou porque sim, “mas porque o outro tem qualquer coisa, alguma característica que nos aproxima”, comenta.
Chegada a adolescência, as hormonas tomam o comando da nossa vida. Não há nada a fazer!

Segundo a terapeuta, tudo fica mais complicado porque o amor começa a misturar-se com as questões da sexualidade. Nesta fase, “damos muito e recebemos muito, mas sobretudo ficamos muito confusos porque há uma série de novas experiências e novas sensações, coisas forçosamente inexplicáveis que começamos a sentir”. Mas há sobretudo uma “que é uma das riquezas da adolescência, e que é um ir e vir constante entre a descoberta do eu – a introspecção que acontece muito durante este período – e a descoberta do outro”. Catarina Mexia lembra que é precisamente este movimento que vai moldar a nossa identidade adulta, o que vamos ser como tal.

Define-se a capacidade de amar e de nos relacionarmos com os outros. As relações futuras, tanto no campo da amizade como do amor, são muito o “reflexo” desta possibilidade de introspecção e conhecimento que ocorre e nos deve ser permitida nesta fase da vida.

“Como jovens adultos tendemos para a superficialidade”, diz. A beleza e o poder do outro justificam as nossas escolhas, as nossas relações. “Estas são mais superficiais, baseiam-se um pouco mais na conveniência, são paixões intensas.”

Mas, ao mesmo tempo, “também é o momento em que muitas vezes encontramos a alma gémea, a relação que se prolonga para o resto da vida”.

No lado oposto, “a fase do amor adulto tem a ver com compromisso, em que as pessoas assumem que aquela relação lhes interessa, e a partir daí estabelecem uma série de projectos”, explica, esclarecendo que, se todas estas etapas se sucedessem em ordem, esta seria aquela em que as pessoas “conscientemente aceitariam ter filhos”.

Para a terapeuta familiar ainda não se trata de amor companheiro, “em que o sexo vem muito depois”, diz, explicando que actualmente este tipo de amor está um pouco posto em causa.

Uma das fases ou tipos de amor segundo um vasto número de autores, o amor companheiro é aquele que sucede ao amor romântico, à paixão, e onde é preciso um investimento muito grande dos intervenientes. O psicólogo social Robert Sternberg é um dos que fala nestes dois tipos ou fases, numa classificação baseada na teoria triangular. Ou seja, o tipo de amor é definido em presença de três componentes: intimidade, paixão e empenho. Enquanto no amor romântico a intimidade e a paixão estão presentes em detrimento do empenho, no amor companheiro o empenho passa a liderar ao lado da intimidade, mas a paixão ‘arrefece’.

Amor, sexo e paixão é uma trilogia explorada por um dos autores do nosso tempo, e provavelmente um dos que mais tem escrito sobre todos estes conceitos. Na obra Enamoramento e Amor como em O Mistério do Enamoramento (Bertrand), Francesco Alberoni apresenta-nos uma empolgante análise destes fenómenos. Escreve neste segundo título que “o enamoramento é uma modalidade de transformação, de crescimento, de forma de caminhar para o futuro”. E lembra que, já na infância, quando a criança se enamora de um coleguinha, começa a afastar-se da mãe.

Segundo Alberoni, o enamoramento é um processo. Enquanto o fascínio, a paixão fulminante, a atracção súbita são apenas etapas deste. Mas esclarece que “a simples experiência do fascínio, a simples experiência da paixão fulminante, por si só não basta para criar um enamoramento”. Depois, o processo de enamoramento “requer uma correspondência profunda entre as pessoas”.
De qualquer forma, este pode evoluir. Na obra Lições de Amor (Bertrand), Francesco Alberoni escreve: “O enamoramento, se se tratar de verdadeiro enamoramento, transforma-se em amor, em instituição e em durabilidade.” A tendência para o amor está inscrita no ser humano, assegura, e “tende a reunir, a fundir e a conhecer”. A outra, a sexual, leva-nos “a procurar o prazer imediato e também a mudar e a explorar”.

Seja como for, uma boa parte das queixas dos casais anda à volta ou vai sempre dar à sexualidade enquanto as hormonas estão activas, assegura a psicóloga e terapeuta familiar Catarina Mexia. Recorda também que o dito amor companheiro, “em que o sexo vem muito em segundo plano”, é empurrado cada vez para mais tarde.

“Aos 40 [anos] e tais”, em que a consolidação da relação está em curso, “ocorre por vezes um senão, que é o surgimento de algumas mágoas”. Também há uma certa falta de imaginação nesta altura. As pessoas ficam cansadas uma da outra e correm o risco de acomodar-se. “Há também a confusão do amor com a paixão. A recordação do que foi a paixão é ainda muito recente, e as pessoas têm dificuldade em fazer a transição entre uma coisa que foi muito intensa para outra mais calma, embora agradável”, diz a terapeuta, esclarecendo que há um conflito latente nos elementos do casal entre voltar a focar-se no individual e manter a relação com o ‘nós’, enquanto casal.

Contudo, ao contrário de tudo o que se preconiza, “o desgaste não é uma inevitabilidade”, diz, lembrando ainda que para construir relações bem sucedidas não basta ser criativo. “É fundamental não ficar agarrado à ideia do amor romântico, que continua lá apesar de tudo, porque isso não existe.” Por outro lado, as pessoas têm tendência “a achar que desgaste é igual a coisas profundamente negativas, quase divórcio, e não é”.

A última fase do amor no tempo é calma e tranquila. É feita de “companheirismo, consolidação e recordações. O casal tende a valorizar as recordações positivas”. A intimidade também aqui pode levar ao sexo, observa a terapeuta. Mas é sobretudo uma intimidade ao nível da pele, do toque, de mãos nas mãos até ao fim dos tempos.

fonte:maxima

1 comentário:

  1. Todas as minhas opniões sobre o assunto já foram comentadas pela psicóloga :D Acho que tenho um pézinho na psicologia. òtimo texto, adoro ler sobre essas coisas. Boa semana.

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